terça-feira, fevereiro 23, 2010

Sentir Poesia*

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

Florbela Espanca

São belas - bem o sei, essas estrelas
Mil cores - divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho amor, olho para elas;
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti - a ti!

Divina - ai! sim, será a voz que afina
Saudosa - na ramagem densa, umbrosa.
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti - a ti!

Respira - n'aura que entre as flores gira,
Celeste - incenso de perfume agreste.
Sei... não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti - de ti!

Formosos - são os pomos saborosos,
É um mimo - de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... mas é de beijos,
E só de ti - de ti!

Macia - deve a relva luzidia
Do leito - se por certo em que me deito;
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias
Senão em ti - em ti!

A ti! ai, a ti só os meus sentidos
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;
E quando venha a morte,
Será morrer por ti.

Almeida Garrett

1 comentário:

  1. Filipa? És mesmo tu? Desconhecia esta tua faceta "bloguista", um talento nato ;)
    Fiquei bastante surpreendido com aquilo que encontrei aqui, hoje. Costumo dizer, quando encontro encantamentos deste género, que "já valeu a pena ter acordado hoje" e, de facto, valeu mesmo :D

    Acerca de Fernando Pessoa: falo por já ter estudado e, como irás estudar, verás um incrível fingidor e sonhador no Ortónimo, um ambicioso na Heteronímia e um decadente e desesperado por um mundo melhor na Mensagem. Mas quem já entende o próprio sentir fingido de Fernando Pessoa sem que alguém o explique uma única vez é digno de qualquer bom escritor/leitor. Os poemas dizem-nos apenas as palavras às metades, e nós apenas temos de construir o nosso entender, repito, o NOSSO entender (porque ninguém pode tentar tirar aquilo que sentimos, porque somos indivíduos que, tal como o nome indica, somos individuais, exclusivos. Não somos pré-fabricados nem temos qualquer etiqueta a dizer "Made in ...").

    Gostei daquilo que li aqui, na diagonal. E tenho pena de não poder ler da esquerda para a direita, de cima para baixo, parágrafo a parágrafo, aquilo que queria (o tempo é uma trama...)

    Continua a Sonhar (:

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